Você procurava e eu me escondia. Era assim que funcionava, e eu sempre encontrei os melhores esconderijos, e você perguntava:''-Mas aonde é que você se meteu o dia todo? Te liguei e não me atendeu..''
Mas um bom jogador nunca conta seus segredos de vitória, pois se contar, todos perceberão como funciona e saberão assim, sempre te achar. Você me propunha para mudarmos de brincadeira, como uma amarelinha na sorveteria, ou uma guerra de travesseiros, mas eu sempre insistia para que jogasse comigo da minha brincadeira favorita, a que eu mais gostava de brincar com você, o tal ''esconde-esconde''.
Até que então num dia quente, cansado de sempre só procurar, disse que não queria mais brincar dessa brincadeira estúpida, mas eu insisti, e você como sempre aceitou, e quando se deu conta, estava lá mais uma vez. Passou um tempo e percebi que a sua demora a me achar estava me deixando entediada, então decidi sair do esconderijo e ir atrás de você. Dessa vez, quem tinha encontrado um esconderijo era você. Te procurei em bares, ruas, nos jornais.. Juro que até no pote de açúcar te procurei, e nada! Até que por coincidência, virando uma esquininha, te achei! Quis correr pros seus braços e perguntar o porque de ter demorado tanto. ''-Você não gosta mais de mim?'', ''-Eu cansei dos seus esconderijos!''. Insisti dizendo que o nosso jogo é tão legal, tão gostoso de jogar, mas você disse que você já era bem grandinho pra brincar desse tipo de coisa e que preferia outros tipos de jogos. Pedi então para que me ensinasse, mas você continuou a dizer que as regras para participar eram severas demais para mim, e eu, sendo só uma garotinha, não ia me adaptar ao modo em que a brincadeira fosse acontecendo.
''-Tudo bem, eu posso brincar sozinha!". Esperei três dias, uma semana, um mês, e nunca mais a brincadeira foi a mesma. Foi ficando chato me manter escondida, e percebi também que os esconderijos iam ficando cada vez mais pequenos para mim, pois eu ia crescendo. Alguns meses já, e eu não caibo mais. Não tenho nenhum lugar para me refugiar das dores do mundo e nem para me esconder, na esperança de alguém vir me procurar. Saiba que nunca ninguém veio, mas se viesse, eu estaria esperando somente e ansiosamente por você. Cheguei a te ligar, mas acho que cortou o barbante do nosso telefone de lata. Te mandei um recado, mas parece que o mesmo virou um aviãozinho de papel, e saiu voando pra longe, longe.. As ''casas'' na ''amarelinha'', foram as únicas coisas que me restaram. Pulava um dia na casa de uma amiga, outro dia na casa de outra.. Indo e vindo, por todo o tempo, e mesmo estando contente, assumo que senti falta do nosso ''pega-pega''. Tudo bem que eu nem sei brincar disso direito, pois é uma brincadeira pra quem tem mais anos de parquinho, mas eu queria muito que você tivesse me ensinado. ''Cansei de me balançar, quero mesmo é brincar na gangorra!''
Só que os ventos mudaram de sentido e levaram o sorveteiro que nunca mais passou daqui de casa, levando consigo o frio que me dava na barriga, ao ouvir cada música daquele carrinho feliz que falava sobre nós.
Hoje eu não sei mais do que brincar. Já tentei o ''Se não tem tu, vai tu mesmo'', tentei também aquele ''Agora eu tô solteira e ninguém vai me segurar", conhece? Nenhum deles tem algo a ver comigo, graças a Deus, mas eu cheguei a tentar, pouco, admito, mas tentei, pra ver se esquecia o sabor de tutty frutty que tinha nosso lance em forma de pirulito de coração.
Certo dia, vi você falando com uma guria no seu telefone de lata. Vi você levando ela pra passear no seu carrinho de sorvete com músicas que falam sobre nós. Vi você rindo e engasgando com seus amigos congelados e sua bebida fermentada, e por várias vezes, eu quis cortar o barbante entre vocês, pra amarrar o seu no meu outra vez. Quis colocar na rádio em que a guria toca e fazer você perceber que a sintonia dela é muito diferente da sua. Quis fazer tantas coisas, tudo pra você voltar, mas mesmo com tantas coisas em mente, nunca encontrei nada bom o suficiente que te daria motivos para isso.
Eu sei, amor não se implora, e não pense que eu estou lhe pedindo para que me ame. Mas eu quero que você saiba que o meu amor é verdadeiro. É o que cura, o que ajuda e o que faz rir. O que acalma, que protege e quer bem. Sendo eu ou não, deixo-te livre. Não vou mais esperar ansiosa pelo carrinho feliz vir me buscar e nem esperar você conectar seu barbante no meu telefone. Apenas deixo-te livre. Quem sabe uma hora você não desiste dessa ideia tonta de se manter afastado e vem brincar de ''pega-pega'' de novo? Se vier, prometo que vai adorar brincar comigo!